domingo, 22 de novembro de 2009

Indo devagar...

Ultimamente minha cabeça está a mil, desde que comecei as minhas reflexões sobre a Gastronomia Baiana. Vou jogar um bocado de idéias no ar para depois tentar amarrar tudo junto. Quem quiser que me companhe.

O fato é que há milhares de anos atrás, muito antes de Colombo "descobrir" a América e Cabral aportar no sul da Bahia, viviam aqui povos que usufruiam das riquezas naturais locais. Mandioca e seus derivado já eram amplamente consumidos. Caças e pescados, que só aqui são achados, já faziam parte da sua dieta . Algumas bebidas alcoolicas, ervas, alguns tipos de feijão e pimentas eram utilizadas na confecção da comida dos aborígenes.

Algumas das heranças deixadas por estes povos estão profundamentes enraigadas na nossa cultura. Farinha de mandioca, beiju, pimenta, goma, são apenas alguns dos legados da cultura dos ditos índios, mas que fazem parte do dia a dia de cada baiano. Já ouvi dizer que a farinha de mandioca é o nosso "queijo parmesão ralado". São poucos os baianos que dispensam a farinha no feijão. Outros não comem a moqueca sem o pirão.

Os portugueses vieram, depois outros povos também. Nem o coco, nem o dendê, nem quiabo, camarão seco, nem os ovos de galinha, a cana de açúcar (portanto a pinga e o açúcar), nem o boi, nem a vaca, cabritos, nem o coentro e o cuminho, salsinha nem pensar, nada disto é originário daqui. Mas tudo se adaptou muito bem ao clima baiano, e o povo aqui foi se misturando, tratou de fazer muito bom uso dos ingredientes que tinham em mãos. A nossa culinária nasceu da fusão de influências orientais, ocidentais e locais.

Quem estuda um pouco das origens e história da cozinha francesa sabe que muito dos pratos mais tradicionais são fruto da necessidade. Muitos são resultado de períodos de escassês de alimentos, principalmente de períodos de pós guerra, onde tinha que se aproveitar todas as partes dos animais, para nada se perder, da cabeça até os ossos. Inicialmente eram resultados da necessidade e da fome. Mas cozinheiros habilidosos transformaram-nos em iguarias, que até hoje são altamente usados e apreciados. Passaram a fazer parte da própria gastronomia francesa.

No Brasil, não podia ser diferente. Muitos pratos surgiram pela necessidade. Feijoada, sarapatel, fatada, buchada, rabada, entre outros, eram comida de escravo e de quem não tinha acesso a outro tipo de alimentação. Hoje em dia fazem parte da nossa cultura, porém ainda sofrem certa marginalização, pelo fator histórico. Muita gente ainda torce o nariz, principalmente aqueles que os mantêm apontado para lua.

Sem falar em carne do sol, carne seca, toucinho, carne salgada, que na verdade surgiram na necessidade de preservação do alimento, seja pelo salgamento, seja pela defumação. Afinal, os métodos de conservação eram precários, então faziam isto para que o alimento durasse mais. Mesmo com toda a tecnologia que temos ao nosso dispor, ainda se consome muito estes tipos de alimentos.

Copiamos da África a cultura acarajé e o abará (assim como os italianos copiaram o macarrão da china). O caruru, a quiabada, as moquecas também são pura influência da nossa mãe preta. Os africanos que vieram para cá presos em grilhões (prefiro colocar a culpa nos portugueses por isto) nos presentearam com os sabores que são a cara da Bahia, principalmente as comidas regadas à dendê.

Muitos países deixaram aqui suas influências também, como a Índia e seus sabores exóticos, como o gengibre, o cominho. Já na Tailândia, há milhares de anos se usa castanhas de caju e pimentas ardidas misturadas na comida, além do coentro.

A história da Gastronomia Baiana é respeitável. Em quase meio milênio conseguimos aglutinar as várias influências sofremos e transformá-las em identidade e cultura. Muito mais que culinária, é história, geografia, biologia, sociologia e antropologia. Não é ufanismo barato, simplesmente, com toda adversidade que o brasileiro enfrentou ao logo da história, pela bagunça política, pela exploração sofrida, edificamos algo compatível com as grandes cozinhas do mundo.

O que a Bahia carece é de mais Chefs conscientes da nossa riqueza local, porque não devemos nada a ninguém. Não precisamos de foies gras para sermos haute cousine, temos uma diversidade de ingredientes que brotam na nossa terra que colocaria inveja em muita gente. Temos que desenvolver a cultura de conhecer o que é nosso e não dar tanto valo ao que é de fora.

Os franceses foram os que mais aprimoraram a ciência do trato com o alimento, então sugiro muito estudo da técnica francesa básica. Os espanhóis também estão "bombando" na cena atual da gastronomia, mas todos eles aprenderam com os franceses.

Nossa terra é um paraíso. Nós, Chefs locais, que temos que desbravá-la e colocar a Gastronomia Baiana no patamar das grandes culturas gastronômicas mundiais.

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