Eis que as últimas duas semanas no restaurante Attica me inspiraram a olhar profundamente para os anos mais longíquos da minha breve existência.
Lembro-me de painho, sentado em um banquinho improvisado na sua horta sempre inacabada, cavocando, semeando, catando ervas daninhas que pareciam nunca parar de brotar e tentando eliminar os ramos de melão de São Caetano (foto).
Quantas vezes comi as sementes vermelhas e doces desta frutinha selvagem, sem nem saber o porque? Nasciam ali contra a vontade de meu pai, mas fazer o que? Fazia parte da paisagem da horta, por mais que tentássemos erradicá-las, ali cresciam sem parar.
Lembro dos pés de coentro, cebolinha, hortelã, hortelã grosso, bananeiras, maracujás, quiabeiros, feijão verde, cenouras e outra incontáveis hortaliças que o meu jovem pai não cansava de tentar fazer brotar.
Enfim, nos meus 6 ou 7 anos de idade, pernambulava por entre aqueles canteiros, atrapalhando mais que ajudando, mas desfrutando, me sentindo parte daquilo. Memórias deliciosas.
Nasci e cresci correndo descalço, rodeado por galinhas- até tinha uma de estimação, que viveu por mais de 10 anos e só morreu porque um amigo de um dos meus irmãos a matou "acidentalmente". Minha Cocó, que até hoje me entristeço quando penso isto! Engraçado, pois sou extremamente desapegado.
25 anos depois, todas manhãs, levanto-me cedo e vou para a imensa horta do Attica, situada no Ripponlea State- Melbourne, para jardinar, catar ervas daninhas, colher centenas de ervas e legumes que, horas depois irão compor o menu do dia.
E vejo o quanto de meu pai há em mim. O quanto ele está comigo, o tempo inteiro, em cada erva daninha, em cada broto, em cada flor que pacientemente tenho que colher.
Interessante como a maturidade gastronômica está intrincicamente ligada às experiências da infância. E mais interessante ainda, a natureza cíclica da vida.
Me sinto, mais uma vez, o menino que fantasiava estar em uma floresta, mesmo estando no jardim de casa.
sábado, 31 de agosto de 2013
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Attica e Ben Shewry
Esta experiência no Restaurante Attica realmente está sendo fenomenal.
A leveza e genialidade do Chef Ben Shewry são primordiais para o sucesso do restaurante, que brilha entre os melhores restaurantes da Australia e do mundo.
Estou cada dia mais honrado em estar participando, como estagiário, desta grande brigada de cozinha.
Da horta de mais de 10.000m2 colhemos diariamente ervas, legumes e flores, que horas depois virarão obra de arte pelas mãos do Chef. Dá um trabalho imenso colher mais de 20 variedades de folhinhas frescas e crocantes, um verdadeiro teste de paciência. Para mim, é uma terapia maravilhosa...
Os pratos são feitos na hora, assim como os pães assados por ordem. É inacreditável o esforço feito por toda equipe para que o frescor dos ingredientes seja preservado. Nenhum aroma pode se perder. Tudo é meticulosamente calculado.
Na minúscula cozinha do restaurante, onde outrora funcionara um banco, o tesouro é a mente de Ben. Simples, sorridente, calmo, paciente, ele demonstra suas idéias com clareza. Inspirador e motivador....
Podia passar mais duas horas falando desta experiência única que a vida está me permitindo ter. Mas amanhã tenho mais 15 horas de trabalho. E haja trabalho!
segunda-feira, 26 de agosto de 2013
Minha infância em Itapuã
Foi aí que eu nasci, cresci e tive as melhores experiências de minha vida. Aí estão minhas
memórias gustativas mais primordiais, mais antigas. Dos cajús maduros, os tamarindos e
mangas pendendo nos galhos, os cocos recém colhidos, os ingás que cresciam em
ambundantes arbustos e que tínhamos que atravessar os pés de urtiga e cansanção
para chegar até os mesmos. O pé de cajá-umbú, que até as folhas apreciávamos e, com
para chegar até os mesmos. O pé de cajá-umbú, que até as folhas apreciávamos e, com
meus primos, naqueles veraneios inesquecíveis, colhia ervas pelo chão e brincávamos de
fazer chá e comidinha- e o pior é que a gente bebia e era uma delícia! E era naquele
mundo verde que eu via Valdete (minha mãe preta) catar sangue-lavou, espada de são
jorge e tantas outras plantas que cresciam livremente, sem que ninguém cuidasse.
jorge e tantas outras plantas que cresciam livremente, sem que ninguém cuidasse.
Tinham também os pés de licuri, as goiabeiras, os jambeiros, araça-mirím, coco anão,
pitangueiras, fruta do conde, o pé de acerola... E tenho certeza que estou
esquecendo de tantas outras árvores das quais usufruimos das frutas e das sombras.
Não possso deixae de citar a horta meu pai cultivava com tanto carinho, mesmo nos
tempos difícieis e no auge da sua debilidade física.
pitangueiras, fruta do conde, o pé de acerola... E tenho certeza que estou
esquecendo de tantas outras árvores das quais usufruimos das frutas e das sombras.
Não possso deixae de citar a horta meu pai cultivava com tanto carinho, mesmo nos
tempos difícieis e no auge da sua debilidade física.
É sobre estes pilares que um dia construirei a minha própria gastronomia.
Bom chegar tão longe para ver que o que há de mais gostoso e importante crescia no
meu próprio jardim. Rodei o mundo para chegar a esta conclusão.
O que o chef Ben Shewry, do Attica está me mostrando é algo que eu mesmo vivi, mas
que as crianças que cresceram no meio das selvas de concreto talvez dificilmente
entenderão.
Um dia, quem sabe, voltarei e brincarei com meus cajús, mangas, tamarindos, goiabas,
araçá mirins, jambos, sangue-lavou, espada de são jorge, os quiabos do meu pai e suas
Painho, um dia terminarei a horta que a vida não lhe permitiu terminar.
domingo, 18 de agosto de 2013
Reviravolta 2
Aquele ano de 2009 foi um ano particular.
Meses após ser despedido do meu emprego, surgiu a chance de ser Chef em um evento de proporções nacionais. Parecia que a sorte tinha batido na minha porta mais uma vez.
Fizemos um cardápio lindo e os primeiros dias foram prazerosos. Parecia mesmo que eu ia decolar mais uma vez.
Tudo corria bem, até que fui acordado pela manhã por um telefonema. Do outro lado da linha, a voz desesperada de uma funcionária da empresa que me contratou. Meu coração quase parou. Todo pavilhão onde minha cozinha estava instalada foi consumido por um incêndio durante a madrugada. Centenas de milhares de reais de prejuízo.
Todos apontaram para mim. Claro que foi o chef que deixou o fogão ligado ou qualquer equipamento plugado, causando a tragédia. E eu tinha certeza que tinha checado tudo 3 vezes. Mas não tinha como argumentar, tudo foi reduzido a cinzas. Era a organização do evento contra mim. Com o conto de David e Golias.
Por 3 horas vivi um dos maiores infernos da minha vida. Aquele fogo parecia também devastar a minha alma.
Liguei para meu irmão, que é advogado e ele tentou me acalmar. A polícia tecnica estava a caminho. Nada mais poderia ser feito.
Lembro perfeitamente dele me perguntar: "Tem certeza que tudo estava desligado?". Naquele momento, nem eu mesmo acreditava nisto.
A polícia tecnica chegou e rapidamente concluiu que o fogo começou em uma instalação elétrica mal feita. Culpa dos próprios organizadores daquele evento, os mesmos que queriam colocar a culpa em mim.
Parecia que minha carreira estava acabada. Isto me empurrou ainda mais para o fundo do poço. O que eu iria fazer da minha vida? Não via mais saída...
Mas aí vem mais uma dessas grandes surpresas da vida: a chance de ser Chef Executivo da OAS,grande empresa de construção civil com várias obras espalhadas pelo mundo.
A proposta era de ir para o Haiti, país mais pobre da América. Não bastasse isto, entre a proposta que me foi feita e minha chegada, houve o terremoto que matou quase meio milhão de pessoas na capital Port au Prince.
Meu desespero por mudança de vida era tamanho que aceitei a proposta. Não é a toa que meu lema de vida é: onde todos vêem uma dificuldade, eu vejo uma oportunidade.
Era o primeiro passo na reconstrução de minha carreira. Foi aí que levantei forças e economizei dinheiro para estudar no Le Cordon Bleu, bancando sozinho os meus sonhos.
Mas ainda não acabei. Em 48 horas iniciarei um estágio no restaurante número 1 da Austrália. 21o do mundo segundo a mundialmente respeitada publicação inglesa Restaurant.
Parece inacreditável, mas é verdade.
sábado, 17 de agosto de 2013
Reviravolta 1
Há 4 anos minha vida deu uma reviravolta. Fui do céu ao inferno num piscar de olhos.
Era fevereiro de 2009 e o que eu mais temia, aconteceu. Fui despedido. Foi um grande choque e quase abandonei minha carreira. Foi por pouco.
Em 2007, após dois anos fora do Brasil, tive a honra de ser Chef de um grande restaurante de Salvador. Me refiro não somente à ótima reputação, mas também a quantidade de gente que servíamos todas as semanas, de segunda a segunda. E eu só tinha 2 anos de experiência. Realmente uma responsabilidade grande e eu ainda estava em processo de formação. Completamente despreparado.
Herdei uma equipe unida e que nunca conquistei, raras exceções. Eram 12 ou 13 contra 1. Não os culpo, pois me coloco no lugar deles. Eu era um cozinheiro de 25 anos sem grande experência e cheguei ganhando 3 vezes mais que eles. Eles iam de ônibus e eu de carro própio. Eu vestia Lacoste, tenis da Nike, relógio suiço- eles ganhavam somente o suficiente para comprar feijão, arroz e farinha. Estudei nos melhores colégios e faculadades e muito deles não passaram do ensino médio de um colégio público de péssima qualidade. Eu viajava pelo mundo e a viagem deles era, na maioria das vezes, na garrafa de cachaça.
Além disto, eu queria perfeição. E muitos deles faziam pouco caso com o que serviam. Alguns por falta de conhecimento. Muitos por falta de zelo e motivação.
Tudo isto gerava muita tensão e muitas vezes perdi a cabeça. Tenho temperamento forte e gosto de me impor. Isto me afastava ainda mais deles.
Na tentativa de ter mais colaboração, todos os meses eu tirava dinheiro do meu bolso e dava para alguns, principalmente os cabeça chave da "rebelião constante". Um alcoolatra, coitado. Nem sei se está vivo.
Como não tinha experiência e maturidade, me faltava autonomia. Neste tempo de quase dois anos so consegui indicar 1 cozinheiro aliado, 2 estagiários e uma outra pessoa, que até hoje carrego no meu coração, a única aliada que tive durante os dois anos que passei ali. Uma super profissional por quem tenho imensa adimiração e profundo agradecimento por ter me protegido o quanto pode do fogo cruzado.
Foi um processo lento de degradação que culminou em brigas feias, desmotivação, agressões verbais e até físicas.
Mas NUNCA DESISTI, fazia de tudo pra dar certo. Nunca arredei o pé.
Enfim, fui despedido, mea maxima culpa. Prefiro apontar os meus erros, pois nada posso mudar em relação aos que falharam comigo. Foi uma grande lição.
Eu faria tudo de novo.
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
Vale a pena estudar no Le Cordon Bleu?
O Le Cordon Bleu é uma dos institutos culinários nais respeitados e reconhecidos do mundo. É instantâneamente ligado à rigidez da cozinha francesa, a cozinha mãe do mundo ocidental, a base que todo cozinheiro precisa ter.
Ter o símbolo do azul nas minhas jaquetas é um motivo imenso de orgulho, não somente pela importância histórica desta instituição, mas também por ter construído sozinho meu caminho até onde estou. Além disto, carregar o mesmo símbolo dos meus ídolos é extremamente motivador e traz uma responsabilidade imensa.
Minha experiência no Le Cordon Bleu Austrália foi fantástica. Interagi com professores com altos padrões de qualidade, todos com um background de, pelo menos, 20 anos de cozinha. Vários deles trabalharam em restaurantes da imensa e respeitada constelação Michelin.
Levem em consideração que o Le Cordon Bleu não forma Chefs. Ensina o cozinheiro a engatinhar. Ensina as bases, o clássico, o ABC da cozinha. Cada um escreve a sua história da maneira que quiser após o término do curso.
Eu fiz um caminho diferente dos meus jovens colegas de curso. Antes mesmo de qualquer escola de gastronomia lavei muitos pratos, esfreguei muito chão, descasquei e cortei milhares de quilos de legumes ( e eu não tou brincando). Ainda hoje lavo pratos e esfrego chão, com muito orgulho. Sustento a opinião de que todo e qualquer chef deveria lavar pratos pelo menos um ano. Isto diferencia os meninos dos homens.
André Cointreu, presidente da instituição francesa diz o seguinte:
“Nesses anos todos de escola, nunca demos um diploma de chef. Não formamos chefs, e sim cozinheiros aptos a se tornarem um. A carreira de um chef é muito difícil, são muitas horas de trabalho seguidas e um acúmulo gigantesco de conhecimento. Para se tornar um chef é necessário anos de experiência, no mínimo dez. Só assim o profissional ganha reconhecimento e se torna capaz de formar novos chefs também. Portanto, o nosso papel na Le Cordon Bleu é prover o fundamental da cozinha ao aluno para que ele possa usá-lo com criatividade e segurança e, assim, continuar se aprimorando.”
Conclusão: vale a pena estudar no Le Cordon Bleu, sim! É um investimento com retornos imediatos para os que realmente sabem o que querem. Porque estou falando isto? Porque sou um exemplo vivo. Em menos de uma semana estarei trabalhando em um dos melhores restaurantes do mundo, melhor da Austrália, pouco após ter terminado a parte teórica do meu curso.
E ai, como você quer construir seu caminho na cozinha?
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
Chef Mateus Aventura
Ser chef de cozinha, para mim, implica em viajar.
Conhecer o mundo, absorver novas culturas
E tem sido uma longa jornada...
Hoje vou falar um pouco da minha experiência no Haiti, quando fui Chef Executivo da OAS Haiti.
Que aventura! No vídeo acima dá para perceber quanta adrenalina ainda ia correr nas minhas veias.
Logo no primeiro dia, tive que encarar um avião pequeno, bi-motor, com capacidade só para 6 pessoas, incluindo o piloto.
Não tinha co-piloto. Como podem ver, o co-piloto em várias das dezenas de horas de voos que fiz nesta Ferrari dos ares. Ainda bem que o Eddy, piloto de origem dominicana, nunca passou mal no ar...
Quando cheguei, não havia uma cozinha própria. Tudo improvisado. A equipe era formada por senhoras que não tinham a menor noção de higiene. Mas aprenderam a duras penas!
O refeitório era uma palhoça e a cozinha logo entrou em obras e cozinhei numa lavanderia por 2 meses.
Não falava o creole e suei muito para aprender a língua, sem aulas. Na raça e com muita vontade.
Com o tempo, ganhei a confiança da minha equipe, composta por Haitianos e pude finalmente começar a impor meu ritmo de trabalho e qualidade.
Tive que agir com muita rigidez e aos poucos a comida começou a ter gostinho de Brasil.
As dificuldades era imensas, desde infestação de roedores e insetos, até disponibilidade de ingredientes. Foi uma loucura montar uma logística de importação das mais de duas toneladas mensais de carnes... E nunca chegava em tempo, sempre atrasado. Todo dia tive que ter muita criatividade para tentar agradar a horda de trabalhadores famintos que frequentavam os diversos refeitórios, as 6 da manhã, as 12 horas e as 6 da tarde. 7 dias por semana.
Aos poucos o refeitório tomou forma, a comida passou a ser servida da maneira correta, com um bom nível de diversidade. O arroz e feijão do dia a dia, com gostinho de casa.
Claro que era impossível agradar a todos. Mas o trabalho realizado junto a minhas negras lindas rendeu-me bons frutos. Logo não precisava mais estar na cozinha para o menu ser seguido e a comida feita do jeitinho certo.
O clima do refeitório era menos tensos, as pessoas saiam satisfeitas e agradecidas.
Logo me acostumei com a cultura local e me misturei com eles. O domínio da lingua foi fundamental.
Aos poucos fui conhecendo a culinária local, me acostumando com a picância de todos os pratos e assimilando cada costume.
As polentas, arrozes ricos, misturados com cogumelos secos campestres, ou entao com feijão. O cabrito, muito apreciado na ilha. Banan peze, a deliciosa
banana verde duplamente frita, ótimo acompanhamento... A piklese, salada bastante picante... O mai bukane, o nosso milho assado na brasa. E tantas outras coisas.
Os gostos do Haiti estção presentes no meu dia a dia até hoje.
E ai passei a conhecer lugares, pessoas, que mesmo com vidas limitadas, passando sede e fome, mantiam o sorriso na cara.
As crianças corriam atras do meu carro a cada visita na cidade de Les Cayes, onde fazia compra de produtos de limpeza, enlatados, grãos e tantos outros.
Eu sempre comprava caixas e caixas de biscoitos, leite, arroz e distribuia entre a pequena multidão que se aglomerava em minha volta. E eles me ajudavam a carregar o caminhão com as centenas de produtos comprados.
Era uma festa!
Tive a oportunidade de formar também a equipe da base da empresa em Porto Príncipe. Foi um grande desafio, mas no final deu tudo certo. Escolhi entre as dezenas de curriculums,liguei para cada um, entrevistei e treinei. Não só a parte da cozinha, mas também de lavanderia e room service. Ensinei até o que não sabia...
Projetamos uma linda cozinha com refeitório anexo, escolhi os melhores equipamentos disponíveis e montei uma cozinha que até hoje me dá orgulho, pelo curto tempo para realizar e por ter sido considerada a cozinha mais moderna do país.
E rodando por aí vou descobrindo novos sabores, ingredientes, novas maneiras de preparar o alimento. Em cada lugar uma novidade e em cada novidade uma inspiração.
Sem contar a profunda experiência de vida... Se realizei tudo isto com tanta dificuldade, sei que nada pode me parar, a não ser os meus próprios limites.
Aos novos chefs: viagem, viagem muito!!
Abaixo, um pouco do que vi e agora estou compartilhando com quem quiser ver.
Artesão no meio do seus afazeres. Les Cayes |
Les Cayes |
Vista para Jeremie. |
Cenário bucólico de Camp Perrin |
Les Cayes |
Lagosta ao estilo creole, com a famosa banan peze. |
Les Cayes, 3a maior cidade do Haiti. |
Torta de frango...e haja frango! |
Minha equipe junto ao Presidente do Haiti, Michel Martelly. |
Foto com Michel Martelly, presidente do Haiti (de azul) |
Estas pessoas mudaram minha vida. Que batalha... Que vitória! |
Na minha cozinha de Port au Prince, fazendo noite de pizzas para meus conterrâneos! |
domingo, 27 de janeiro de 2013
Pensamentos de um dia de folga
Que bom é trabalhar com donos de restaurantes sensatos, inteligentes e práticos, que fecham as portas nas segunda-feiras!Isto enxuga o quadro de funcionários, todo mundo ganha sua merecida folga e a equipe inteira volta feliz e bem disposta na terça.
Que recompensante é ser muito bem pago fazendo o que gosta, ao contrário da minha cidade natal, onde os salários ainda são, na sua maioria, medíocres. Inegável os avanços dos ultimos anos, mas em uma semana ganho o que muito chef nunca ganhará em um mês em Salvador.
Que maravilha é trabalhar com ingredientes de primeira, técnicas modernas e funcionários de alto nível, numa competição saudável pelo perfeccionismo. Minha cozinha é tão limpa e organiazada que eu poderia trabalhar com uma venda nos olhos e mesmo assim saber onde tudo está.
Que fantástico é ter a oportuniade única de estudar na Le Cordon Bleu, um dos melhores cursos de cozinha do planeta e carregar com orgulho no meu peito o Blue Ribbon.
Muito fácil é criticar. Difícil mesmo é realizar.
quinta-feira, 17 de janeiro de 2013
"Yes, Chef!"
Seis da tarde e a cozinha borbulha. É mais uma quinta-feira
de verão e o calor passa dos quarenta graus.
Os primeiros clientes já chegaram e o livro de reservas já garante uma noite, no mínimo, excitante.
No fogão, 150 litros de caldo de carne borbulham preguiçosamente,
exalando os aromas dos ossos torrados, mirepoix e do bouquet garni, que invadem todo o restaurante.
O mise en place tem
que estar perfeito. Nada melhor para um chef do que saber exatamente onde
está cada ingrediente que lhe serão fundamentais durante o serviço, assim como
checar o frescor de cada um deles. Os mínimos detalhes devem ser observados.
Um frio na espinha precede as primeiras comandas. Mesmo
tendo feito duas vezes o checklist, há
uma certa apreensão, que em algum momento durante as próximas 4 horas, sumirá.
A adrenalina tomará conta e no meio das panelas fumegantes, facas amoladas,
óleos quentes, molhos respingantes, não há mais espaço para insegurança.
Há uma equipe para
ser orquestrada, todos num mesmo ritmo intenso,
sem resmungos. "Yes, Chef!" é o que se espera ouvir após a leitura de cada comanda.
Só há espaço para o silëncio e concentração- o cliente está com
fome e não quer saber que o pedido dele atrasou porque o cozinheiro estava de
papo furado com a garçonete e queimou o pão da sua bruschetta.
O caos organizado e incessante durará algumas horas.
Começam a chegar os primeiros pedidos de sobremesa e me dou
conta que três horas se passaram. A boa atmosfera do salão reflete todo o
trabalho e amor dedicado ao ato de servir. É a melhor recompensa.
Com a cozinha menos ativa, dá para ouvir os risos e o
barulho de talheres raspando os pratos.
A equipe se apressa na faxina, exaustos.
A noite vai chegando ao fim e a batalha foi vencida, mas a
guerra recomeçará logo mais.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
Um Chef no verão de Sydney
É verão em Sydney e a cidade está entupida de turistas. As
praias estão cheias de pessoas de todas as partes dos planeta. Ouço sotaques
diversos nos pontos de ônibus em Bondi Beach ou andando na George St., uma das ruas mais movimentadas da City, o centro financeiro da cidade.
Os restaurantes enchem-se de grandes grupos, confraternizando e se despedindo do ano que já se vai. E é aí que o chef trabalha até o limite.
Não é fácil conciliar o trabalho com o curso puxado, mas a
missão foi cumprida.
Na segunda semana de dezembro, quando realizei as minhas
últimas e mais dificeis provas do curso, dois cozinheiros do trabalho abandonaram o
barco e nos deixaram na mão numa sexta-feira.
Desculpem o linguajar informal, mas chef que é chef tem
que sangue no olho. Encaramos o serviço pesado, sem cometer erros e em completa
harmonia.
É recompensante trabalhar duríssimo e não ter sequer um prato retornando para cozinha, seja por erro do ponto da carne ou porque a comida estava fria. Nada faltou, tudo no seu devido lugar. Mise en place.
É recompensante trabalhar duríssimo e não ter sequer um prato retornando para cozinha, seja por erro do ponto da carne ou porque a comida estava fria. Nada faltou, tudo no seu devido lugar. Mise en place.
Isto exige muita
meticulosidade e prática. É a vantagem de fazer parte da equipe da linha Le Cordon
Bleu. Em breve até o nosso ajudante de cozinha, um coreano, iniciará também o curso. Isto nos fará ainda mais coesos e com objetivos cada vez mais comuns: a satisfação extrema
do cliente, o cuidado com o ingrediente, a delicadeza das apresentações e, principalmente, um alto standart de
qualidade.
Depois de toda a correria, veio uma gorda recompensa! A primeira
semana de janeiro foi de descansso, praia e curtição. O restaurante fechou por 7
dias e fiquei de ferias do curso. Isto tudo depois de um Reveillon
inesquecível sob a famosa Sydney Harbour Brirdge, em Milson´s Point, assistindo de camarote à queima de fogos e
gozando um sentimento generalizado de paz, renovação de missão cumprida.
Nada planejado, nem as férias, nem passar o Reveillon na Harbour
Bridge, com a bela visão da Opera House. Trabalhei tanto e de tal jeito que não deu
tempo de planejar. Simplesmente aconteceu e aproveitei ao máximo.
Mas acabou o descanso e estou de volta para minha brigada e para as panelas. E
em breve retornarei ao curso, no dia 29
de janeiro.
Um longo caminho pela frente para um chef que nunca deixa de
ser aprendiz.
quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
Um chef em construção
Minha relação com a cozinha e gastronomia é antiga. Sou de uma familia grande, unida e
tradicionalmente festiva. Todas as datas mais importantes são celebradas com
muita comida e bebida. São dezenas de aniversários, quase uma media de 1 um por
fim de semana. Todas as datas mais importantes do ano eram celebradas com
fartas mesas e copos cheios. Minha memória se enche de aromas e sabores que se
misturam com outras sensações e sinto suspiros de saudades.
Minhas avós eram exímias quituteiras- por parte de mãe, vó Lourdes e seu inesquecível
doce de banana; por parte de pai, vó Dilce e seus mingaus e ambrosias. Minha
madrinha é uma cozinheira de mão cheia e meu padrinho um gourmand. Deles herdei os
genes gastronômicos, sem dúvidas.
Meus pais sempre foram workoholics. Minha mãe só ia para
cozinha em ultima instância, geralmente aos domingos a noite, quando as
secretarias do lar estavam de folga. E era eu, entre os 4 filhos, que primeiro me disponibilizava a ajudar no
preparo destas raras e práticas refeições por ela preparadas. Lembro das
rabanadas, dos hot dogs (com melhor molho do mundo!), hamburgueres, sanduiches
prensados. Era divertido entrar em contato direto com os ingredientes e transformá-los em algo gostoso. E, acima de tudo, poder usar uma grande faca de cozinha, objeto proibido para mim naqueles tempos.
Dos meus pais herdei a raça e vontade de trabalhar duro e
assim crescer na vida, dentre outros valores.
Não posso deixar de citar minhas raízes negras,
provindas da relação de vida inteira com
Valdete, cozinheira de primeira, que há mais de 34 anos cozinha para minha
família. Talvez uma das minhas maiores referências na cozinha. Seu conhecimento
acerca de cozinha baiana, principalmente a de terreiro, é infinito. E eu zanzava
quase que diariamente na cozinha dela, curioso que sempre fui, observando o seu jeito mau humorado de
cozinhar, de preparer os seus temperos secretos e, principalmente, roubar as raspas dos potes
e panelas.
Tem até uma história de que uma vez me escondi dentro do
forno da casa de uma tia e ninguém me achou por horas. Era um prenúncio de uma
relaçao profunda com a cozinha.
Eu já era um chef em construção e não sabia.
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