Eis que as últimas duas semanas no restaurante Attica me inspiraram a olhar profundamente para os anos mais longíquos da minha breve existência.
Lembro-me de painho, sentado em um banquinho improvisado na sua horta sempre inacabada, cavocando, semeando, catando ervas daninhas que pareciam nunca parar de brotar e tentando eliminar os ramos de melão de São Caetano (foto).
Quantas vezes comi as sementes vermelhas e doces desta frutinha selvagem, sem nem saber o porque? Nasciam ali contra a vontade de meu pai, mas fazer o que? Fazia parte da paisagem da horta, por mais que tentássemos erradicá-las, ali cresciam sem parar.
Lembro dos pés de coentro, cebolinha, hortelã, hortelã grosso, bananeiras, maracujás, quiabeiros, feijão verde, cenouras e outra incontáveis hortaliças que o meu jovem pai não cansava de tentar fazer brotar.
Enfim, nos meus 6 ou 7 anos de idade, pernambulava por entre aqueles canteiros, atrapalhando mais que ajudando, mas desfrutando, me sentindo parte daquilo. Memórias deliciosas.
Nasci e cresci correndo descalço, rodeado por galinhas- até tinha uma de estimação, que viveu por mais de 10 anos e só morreu porque um amigo de um dos meus irmãos a matou "acidentalmente". Minha Cocó, que até hoje me entristeço quando penso isto! Engraçado, pois sou extremamente desapegado.
25 anos depois, todas manhãs, levanto-me cedo e vou para a imensa horta do Attica, situada no Ripponlea State- Melbourne, para jardinar, catar ervas daninhas, colher centenas de ervas e legumes que, horas depois irão compor o menu do dia.
E vejo o quanto de meu pai há em mim. O quanto ele está comigo, o tempo inteiro, em cada erva daninha, em cada broto, em cada flor que pacientemente tenho que colher.
Interessante como a maturidade gastronômica está intrincicamente ligada às experiências da infância. E mais interessante ainda, a natureza cíclica da vida.
Me sinto, mais uma vez, o menino que fantasiava estar em uma floresta, mesmo estando no jardim de casa.
sábado, 31 de agosto de 2013
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Attica e Ben Shewry
Esta experiência no Restaurante Attica realmente está sendo fenomenal.
A leveza e genialidade do Chef Ben Shewry são primordiais para o sucesso do restaurante, que brilha entre os melhores restaurantes da Australia e do mundo.
Estou cada dia mais honrado em estar participando, como estagiário, desta grande brigada de cozinha.
Da horta de mais de 10.000m2 colhemos diariamente ervas, legumes e flores, que horas depois virarão obra de arte pelas mãos do Chef. Dá um trabalho imenso colher mais de 20 variedades de folhinhas frescas e crocantes, um verdadeiro teste de paciência. Para mim, é uma terapia maravilhosa...
Os pratos são feitos na hora, assim como os pães assados por ordem. É inacreditável o esforço feito por toda equipe para que o frescor dos ingredientes seja preservado. Nenhum aroma pode se perder. Tudo é meticulosamente calculado.
Na minúscula cozinha do restaurante, onde outrora funcionara um banco, o tesouro é a mente de Ben. Simples, sorridente, calmo, paciente, ele demonstra suas idéias com clareza. Inspirador e motivador....
Podia passar mais duas horas falando desta experiência única que a vida está me permitindo ter. Mas amanhã tenho mais 15 horas de trabalho. E haja trabalho!
segunda-feira, 26 de agosto de 2013
Minha infância em Itapuã
Foi aí que eu nasci, cresci e tive as melhores experiências de minha vida. Aí estão minhas
memórias gustativas mais primordiais, mais antigas. Dos cajús maduros, os tamarindos e
mangas pendendo nos galhos, os cocos recém colhidos, os ingás que cresciam em
ambundantes arbustos e que tínhamos que atravessar os pés de urtiga e cansanção
para chegar até os mesmos. O pé de cajá-umbú, que até as folhas apreciávamos e, com
para chegar até os mesmos. O pé de cajá-umbú, que até as folhas apreciávamos e, com
meus primos, naqueles veraneios inesquecíveis, colhia ervas pelo chão e brincávamos de
fazer chá e comidinha- e o pior é que a gente bebia e era uma delícia! E era naquele
mundo verde que eu via Valdete (minha mãe preta) catar sangue-lavou, espada de são
jorge e tantas outras plantas que cresciam livremente, sem que ninguém cuidasse.
jorge e tantas outras plantas que cresciam livremente, sem que ninguém cuidasse.
Tinham também os pés de licuri, as goiabeiras, os jambeiros, araça-mirím, coco anão,
pitangueiras, fruta do conde, o pé de acerola... E tenho certeza que estou
esquecendo de tantas outras árvores das quais usufruimos das frutas e das sombras.
Não possso deixae de citar a horta meu pai cultivava com tanto carinho, mesmo nos
tempos difícieis e no auge da sua debilidade física.
pitangueiras, fruta do conde, o pé de acerola... E tenho certeza que estou
esquecendo de tantas outras árvores das quais usufruimos das frutas e das sombras.
Não possso deixae de citar a horta meu pai cultivava com tanto carinho, mesmo nos
tempos difícieis e no auge da sua debilidade física.
É sobre estes pilares que um dia construirei a minha própria gastronomia.
Bom chegar tão longe para ver que o que há de mais gostoso e importante crescia no
meu próprio jardim. Rodei o mundo para chegar a esta conclusão.
O que o chef Ben Shewry, do Attica está me mostrando é algo que eu mesmo vivi, mas
que as crianças que cresceram no meio das selvas de concreto talvez dificilmente
entenderão.
Um dia, quem sabe, voltarei e brincarei com meus cajús, mangas, tamarindos, goiabas,
araçá mirins, jambos, sangue-lavou, espada de são jorge, os quiabos do meu pai e suas
Painho, um dia terminarei a horta que a vida não lhe permitiu terminar.
domingo, 18 de agosto de 2013
Reviravolta 2
Aquele ano de 2009 foi um ano particular.
Meses após ser despedido do meu emprego, surgiu a chance de ser Chef em um evento de proporções nacionais. Parecia que a sorte tinha batido na minha porta mais uma vez.
Fizemos um cardápio lindo e os primeiros dias foram prazerosos. Parecia mesmo que eu ia decolar mais uma vez.
Tudo corria bem, até que fui acordado pela manhã por um telefonema. Do outro lado da linha, a voz desesperada de uma funcionária da empresa que me contratou. Meu coração quase parou. Todo pavilhão onde minha cozinha estava instalada foi consumido por um incêndio durante a madrugada. Centenas de milhares de reais de prejuízo.
Todos apontaram para mim. Claro que foi o chef que deixou o fogão ligado ou qualquer equipamento plugado, causando a tragédia. E eu tinha certeza que tinha checado tudo 3 vezes. Mas não tinha como argumentar, tudo foi reduzido a cinzas. Era a organização do evento contra mim. Com o conto de David e Golias.
Por 3 horas vivi um dos maiores infernos da minha vida. Aquele fogo parecia também devastar a minha alma.
Liguei para meu irmão, que é advogado e ele tentou me acalmar. A polícia tecnica estava a caminho. Nada mais poderia ser feito.
Lembro perfeitamente dele me perguntar: "Tem certeza que tudo estava desligado?". Naquele momento, nem eu mesmo acreditava nisto.
A polícia tecnica chegou e rapidamente concluiu que o fogo começou em uma instalação elétrica mal feita. Culpa dos próprios organizadores daquele evento, os mesmos que queriam colocar a culpa em mim.
Parecia que minha carreira estava acabada. Isto me empurrou ainda mais para o fundo do poço. O que eu iria fazer da minha vida? Não via mais saída...
Mas aí vem mais uma dessas grandes surpresas da vida: a chance de ser Chef Executivo da OAS,grande empresa de construção civil com várias obras espalhadas pelo mundo.
A proposta era de ir para o Haiti, país mais pobre da América. Não bastasse isto, entre a proposta que me foi feita e minha chegada, houve o terremoto que matou quase meio milhão de pessoas na capital Port au Prince.
Meu desespero por mudança de vida era tamanho que aceitei a proposta. Não é a toa que meu lema de vida é: onde todos vêem uma dificuldade, eu vejo uma oportunidade.
Era o primeiro passo na reconstrução de minha carreira. Foi aí que levantei forças e economizei dinheiro para estudar no Le Cordon Bleu, bancando sozinho os meus sonhos.
Mas ainda não acabei. Em 48 horas iniciarei um estágio no restaurante número 1 da Austrália. 21o do mundo segundo a mundialmente respeitada publicação inglesa Restaurant.
Parece inacreditável, mas é verdade.
sábado, 17 de agosto de 2013
Reviravolta 1
Há 4 anos minha vida deu uma reviravolta. Fui do céu ao inferno num piscar de olhos.
Era fevereiro de 2009 e o que eu mais temia, aconteceu. Fui despedido. Foi um grande choque e quase abandonei minha carreira. Foi por pouco.
Em 2007, após dois anos fora do Brasil, tive a honra de ser Chef de um grande restaurante de Salvador. Me refiro não somente à ótima reputação, mas também a quantidade de gente que servíamos todas as semanas, de segunda a segunda. E eu só tinha 2 anos de experiência. Realmente uma responsabilidade grande e eu ainda estava em processo de formação. Completamente despreparado.
Herdei uma equipe unida e que nunca conquistei, raras exceções. Eram 12 ou 13 contra 1. Não os culpo, pois me coloco no lugar deles. Eu era um cozinheiro de 25 anos sem grande experência e cheguei ganhando 3 vezes mais que eles. Eles iam de ônibus e eu de carro própio. Eu vestia Lacoste, tenis da Nike, relógio suiço- eles ganhavam somente o suficiente para comprar feijão, arroz e farinha. Estudei nos melhores colégios e faculadades e muito deles não passaram do ensino médio de um colégio público de péssima qualidade. Eu viajava pelo mundo e a viagem deles era, na maioria das vezes, na garrafa de cachaça.
Além disto, eu queria perfeição. E muitos deles faziam pouco caso com o que serviam. Alguns por falta de conhecimento. Muitos por falta de zelo e motivação.
Tudo isto gerava muita tensão e muitas vezes perdi a cabeça. Tenho temperamento forte e gosto de me impor. Isto me afastava ainda mais deles.
Na tentativa de ter mais colaboração, todos os meses eu tirava dinheiro do meu bolso e dava para alguns, principalmente os cabeça chave da "rebelião constante". Um alcoolatra, coitado. Nem sei se está vivo.
Como não tinha experiência e maturidade, me faltava autonomia. Neste tempo de quase dois anos so consegui indicar 1 cozinheiro aliado, 2 estagiários e uma outra pessoa, que até hoje carrego no meu coração, a única aliada que tive durante os dois anos que passei ali. Uma super profissional por quem tenho imensa adimiração e profundo agradecimento por ter me protegido o quanto pode do fogo cruzado.
Foi um processo lento de degradação que culminou em brigas feias, desmotivação, agressões verbais e até físicas.
Mas NUNCA DESISTI, fazia de tudo pra dar certo. Nunca arredei o pé.
Enfim, fui despedido, mea maxima culpa. Prefiro apontar os meus erros, pois nada posso mudar em relação aos que falharam comigo. Foi uma grande lição.
Eu faria tudo de novo.
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
Vale a pena estudar no Le Cordon Bleu?
O Le Cordon Bleu é uma dos institutos culinários nais respeitados e reconhecidos do mundo. É instantâneamente ligado à rigidez da cozinha francesa, a cozinha mãe do mundo ocidental, a base que todo cozinheiro precisa ter.
Ter o símbolo do azul nas minhas jaquetas é um motivo imenso de orgulho, não somente pela importância histórica desta instituição, mas também por ter construído sozinho meu caminho até onde estou. Além disto, carregar o mesmo símbolo dos meus ídolos é extremamente motivador e traz uma responsabilidade imensa.
Minha experiência no Le Cordon Bleu Austrália foi fantástica. Interagi com professores com altos padrões de qualidade, todos com um background de, pelo menos, 20 anos de cozinha. Vários deles trabalharam em restaurantes da imensa e respeitada constelação Michelin.
Levem em consideração que o Le Cordon Bleu não forma Chefs. Ensina o cozinheiro a engatinhar. Ensina as bases, o clássico, o ABC da cozinha. Cada um escreve a sua história da maneira que quiser após o término do curso.
Eu fiz um caminho diferente dos meus jovens colegas de curso. Antes mesmo de qualquer escola de gastronomia lavei muitos pratos, esfreguei muito chão, descasquei e cortei milhares de quilos de legumes ( e eu não tou brincando). Ainda hoje lavo pratos e esfrego chão, com muito orgulho. Sustento a opinião de que todo e qualquer chef deveria lavar pratos pelo menos um ano. Isto diferencia os meninos dos homens.
André Cointreu, presidente da instituição francesa diz o seguinte:
“Nesses anos todos de escola, nunca demos um diploma de chef. Não formamos chefs, e sim cozinheiros aptos a se tornarem um. A carreira de um chef é muito difícil, são muitas horas de trabalho seguidas e um acúmulo gigantesco de conhecimento. Para se tornar um chef é necessário anos de experiência, no mínimo dez. Só assim o profissional ganha reconhecimento e se torna capaz de formar novos chefs também. Portanto, o nosso papel na Le Cordon Bleu é prover o fundamental da cozinha ao aluno para que ele possa usá-lo com criatividade e segurança e, assim, continuar se aprimorando.”
Conclusão: vale a pena estudar no Le Cordon Bleu, sim! É um investimento com retornos imediatos para os que realmente sabem o que querem. Porque estou falando isto? Porque sou um exemplo vivo. Em menos de uma semana estarei trabalhando em um dos melhores restaurantes do mundo, melhor da Austrália, pouco após ter terminado a parte teórica do meu curso.
E ai, como você quer construir seu caminho na cozinha?
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