segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Chef Mateus Aventura











Ser chef de cozinha, para mim, implica em viajar.


Conhecer o mundo, absorver novas culturas


E tem sido uma longa jornada...


Hoje vou falar um pouco da minha experiência no Haiti, quando fui Chef Executivo da OAS Haiti.

Que aventura! No vídeo acima dá para perceber quanta adrenalina ainda ia correr nas minhas veias.


      Logo no primeiro dia, tive que encarar um avião pequeno, bi-motor, com capacidade só para 6 pessoas, incluindo o piloto.

     Não tinha co-piloto. Como podem ver, o co-piloto em várias das dezenas de horas de voos que fiz nesta Ferrari dos ares. Ainda bem que o Eddy, piloto de origem dominicana, nunca passou mal no ar...



 Quando cheguei, não havia uma cozinha própria. Tudo improvisado. A equipe era formada por senhoras que não tinham a menor noção de higiene. Mas aprenderam a duras penas!

O refeitório era uma palhoça e a cozinha logo entrou em obras e cozinhei numa lavanderia por 2 meses.

Não falava o creole e suei muito para aprender a língua, sem aulas. Na raça e com muita vontade.

Com o tempo, ganhei a confiança da minha equipe, composta por Haitianos e pude finalmente começar a impor meu ritmo de trabalho e qualidade.

Tive que agir com muita rigidez e aos poucos a comida começou a ter gostinho de Brasil.

As dificuldades era imensas, desde infestação de roedores e insetos, até disponibilidade de ingredientes. Foi uma loucura montar uma logística de importação das mais de duas toneladas mensais de carnes... E nunca chegava em tempo, sempre atrasado. Todo dia tive que ter muita criatividade para tentar agradar a horda de trabalhadores famintos que frequentavam os diversos refeitórios, as 6 da manhã, as 12 horas e as 6 da tarde. 7 dias por semana.

                                                       



             Aos poucos o refeitório tomou forma, a comida passou a ser servida da maneira correta, com um bom nível de diversidade. O arroz e feijão do dia a dia, com gostinho de casa.

              Claro que era impossível agradar a todos. Mas o trabalho realizado junto a minhas negras lindas rendeu-me bons frutos. Logo não precisava mais estar na cozinha para o menu ser seguido e a comida feita do jeitinho certo.                              
     O clima do refeitório era menos tensos, as pessoas saiam satisfeitas e agradecidas.

     Logo me acostumei com a cultura local e me misturei com eles. O domínio da lingua foi fundamental.

   Aos poucos fui conhecendo a culinária local, me acostumando com a picância  de todos os pratos e assimilando cada costume.

 As polentas, arrozes ricos, misturados com cogumelos secos campestres, ou entao com feijão. O cabrito, muito apreciado na ilha. Banan peze, a deliciosa
banana verde duplamente frita, ótimo acompanhamento... A piklese, salada bastante picante... O mai bukane, o nosso milho assado na brasa. E tantas outras coisas.

Os gostos do Haiti estção presentes no meu dia a dia até hoje.

E ai passei a conhecer lugares, pessoas, que mesmo com vidas limitadas, passando sede e fome, mantiam o sorriso na cara.

As crianças corriam atras do meu carro a cada visita na cidade de Les Cayes, onde fazia compra de produtos de limpeza, enlatados, grãos e tantos outros.

Eu sempre comprava caixas e caixas de biscoitos, leite, arroz e distribuia entre a pequena multidão que se aglomerava em minha volta. E eles me ajudavam a carregar o caminhão com as centenas de produtos comprados.

Era uma festa!


Tive a oportunidade de formar também a equipe da base da empresa em Porto Príncipe. Foi um grande desafio, mas no final deu tudo certo. Escolhi entre as dezenas de curriculums,liguei para cada um, entrevistei e treinei. Não só a parte da cozinha, mas também de lavanderia e room service. Ensinei até o que não sabia...

Projetamos uma linda cozinha com refeitório anexo, escolhi os melhores equipamentos disponíveis e montei uma cozinha que até hoje me dá orgulho, pelo curto tempo para realizar e por ter sido considerada a                             cozinha mais moderna do país.

E rodando por aí vou descobrindo novos sabores, ingredientes, novas maneiras de preparar o alimento. Em cada lugar uma novidade e em cada novidade uma inspiração.

Sem contar a profunda experiência de vida... Se realizei tudo isto com tanta dificuldade, sei que nada pode me parar, a não ser os meus próprios limites.

Aos novos chefs: viagem, viagem muito!!

                                        Abaixo, um pouco do que vi e agora estou compartilhando com quem quiser ver.

Artesão no meio do seus afazeres. Les Cayes

Les Cayes

Vista para Jeremie. 
Cenário bucólico de Camp Perrin

Les Cayes
Lagosta ao estilo creole, com a famosa banan peze.

Les Cayes, 3a maior cidade do Haiti.

Torta de frango...e haja frango!
Minha equipe junto ao Presidente do Haiti, Michel Martelly.


Foto com Michel Martelly, presidente do Haiti (de azul)


Estas pessoas mudaram minha vida. Que batalha... Que vitória!
Na minha cozinha de Port au Prince, fazendo noite de pizzas para meus conterrâneos!

domingo, 27 de janeiro de 2013

Pensamentos de um dia de folga


Que bom é trabalhar com donos de restaurantes sensatos, inteligentes e práticos, que fecham as portas nas segunda-feiras!Isto enxuga o quadro de funcionários, todo mundo ganha sua merecida folga e a equipe inteira volta feliz e bem disposta na terça.

Que recompensante é ser muito bem pago fazendo o que gosta, ao contrário da minha cidade natal, onde os salários ainda são, na sua maioria, medíocres. Inegável os avanços dos ultimos anos, mas em uma semana ganho o que muito chef nunca ganhará em um mês em Salvador.

Que maravilha é trabalhar com ingredientes de primeira, técnicas modernas e funcionários de alto nível, numa competição saudável pelo perfeccionismo. Minha cozinha é tão limpa e organiazada que eu poderia trabalhar com uma venda nos olhos e mesmo assim saber onde tudo está.

Que fantástico é ter a oportuniade única de estudar na Le Cordon Bleu, um dos melhores cursos de cozinha do planeta e carregar com orgulho no meu peito o Blue Ribbon.

Muito fácil é criticar. Difícil mesmo é realizar.






quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

"Yes, Chef!"


Seis da tarde e a cozinha borbulha. É mais uma quinta-feira de verão e o calor passa dos quarenta graus.

Os primeiros clientes já chegaram e o livro de reservas já garante uma noite, no mínimo, excitante.

No fogão, 150 litros de caldo de carne borbulham preguiçosamente, exalando os aromas dos ossos torrados, mirepoix e do bouquet garni, que invadem todo o restaurante.

O mise en place tem que estar perfeito. Nada melhor para um chef do que saber exatamente onde está cada ingrediente que lhe serão fundamentais durante o serviço, assim como checar o frescor de cada um deles. Os mínimos detalhes devem ser observados.

Um frio na espinha precede as primeiras comandas. Mesmo tendo  feito duas vezes o checklist, há uma certa apreensão, que em algum momento durante as próximas 4 horas, sumirá. A adrenalina tomará conta e no meio das panelas fumegantes, facas amoladas, óleos quentes, molhos respingantes, não há mais espaço para insegurança.

 Há uma equipe para ser  orquestrada, todos num mesmo ritmo intenso, sem resmungos. "Yes, Chef!" é o que se espera ouvir após a leitura de cada comanda. 

Só há espaço para o silëncio e concentração- o cliente está com fome e não quer saber que o pedido dele atrasou porque o cozinheiro estava de papo furado com a garçonete e queimou o pão da sua bruschetta.


O caos organizado e incessante durará algumas horas.

Começam a chegar os primeiros pedidos de sobremesa e me dou conta que três horas se passaram. A boa atmosfera do salão reflete todo o trabalho e amor dedicado ao ato de servir. É a melhor recompensa.

Com a cozinha menos ativa, dá para ouvir os risos e o barulho de talheres raspando os pratos.

 A equipe se apressa na faxina, exaustos.

A noite vai chegando ao fim e a batalha foi vencida, mas a guerra recomeçará logo mais.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Um Chef no verão de Sydney


É verão em Sydney e a cidade está entupida de turistas. As praias estão cheias de pessoas de todas as partes dos planeta. Ouço sotaques diversos nos pontos de ônibus em Bondi Beach ou andando na George St.,  uma das ruas mais movimentadas  da City, o centro financeiro da cidade.

Os restaurantes enchem-se de grandes grupos, confraternizando e se despedindo do ano que já se vai. E é aí que o chef trabalha até o limite.

Não é fácil conciliar o trabalho com o curso puxado, mas a missão foi cumprida.

Na segunda semana de dezembro, quando realizei as minhas últimas e mais dificeis provas do curso,  dois cozinheiros do trabalho abandonaram o barco e nos deixaram  na mão numa sexta-feira.

 Desculpem  o linguajar informal, mas chef que é chef tem que sangue no olho. Encaramos o serviço pesado, sem cometer erros e em completa harmonia.

É recompensante trabalhar duríssimo e não ter sequer um prato retornando para cozinha, seja por erro do ponto da carne ou porque a comida estava fria. Nada faltou, tudo  no seu devido lugar. Mise en place.

 Isto exige muita meticulosidade e prática. É a vantagem de fazer parte da equipe da linha Le Cordon Bleu. Em breve até o nosso ajudante de cozinha, um coreano, iniciará também o curso. Isto nos fará ainda mais coesos e com objetivos cada vez mais comuns: a satisfação extrema do cliente, o cuidado com o ingrediente, a delicadeza das apresentações e,  principalmente, um alto standart de qualidade.

Depois de toda a correria, veio uma gorda recompensa! A primeira semana de janeiro foi de descansso, praia e curtição. O restaurante fechou por 7 dias e fiquei de ferias do curso. Isto tudo depois de um Reveillon inesquecível sob a famosa Sydney Harbour Brirdge, em Milson´s Point,  assistindo de camarote à queima de fogos e gozando um sentimento generalizado de paz, renovação de missão cumprida.

Nada planejado, nem as férias, nem passar o Reveillon na Harbour Bridge, com a bela visão da Opera House.  Trabalhei tanto e de tal jeito que não deu tempo de planejar. Simplesmente aconteceu e aproveitei ao máximo.

Mas acabou o descanso e estou de volta para minha brigada e para as panelas. E em breve retornarei  ao curso, no dia 29 de janeiro.  

Um longo caminho pela frente para um chef que nunca deixa de ser aprendiz.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Um chef em construção




Minha relação com a cozinha e gastronomia é antiga.  Sou de uma familia grande, unida e tradicionalmente festiva. Todas as datas mais importantes são celebradas com muita comida e bebida. São dezenas de aniversários, quase uma media de 1 um por fim de semana. Todas as datas mais importantes do ano eram celebradas com fartas mesas e copos cheios. Minha memória se enche de aromas e sabores que se misturam com outras sensações e sinto suspiros de saudades.

Minhas avós eram exímias quituteiras-  por parte de mãe, vó Lourdes e seu inesquecível doce de banana; por parte de pai, vó Dilce e seus mingaus e ambrosias. Minha madrinha é uma cozinheira de mão cheia e meu padrinho um gourmand. Deles herdei os genes gastronômicos, sem dúvidas.

Meus pais sempre foram workoholics. Minha mãe só ia para cozinha em ultima instância, geralmente aos domingos a noite, quando as secretarias do lar estavam de folga. E era eu, entre os 4 filhos,  que primeiro me disponibilizava a ajudar no preparo destas raras e práticas refeições por ela preparadas. Lembro das rabanadas, dos hot dogs (com melhor molho do mundo!), hamburgueres, sanduiches prensados. Era divertido entrar em contato direto com os ingredientes e transformá-los em algo gostoso. E, acima de tudo, poder usar uma grande faca de cozinha, objeto proibido para mim naqueles tempos. 

Dos meus pais herdei a raça e vontade de trabalhar duro e assim crescer na vida, dentre outros valores.

Não posso deixar de citar minhas raízes negras, provindas  da relação de vida inteira com Valdete, cozinheira de primeira, que há mais de 34 anos cozinha para minha família. Talvez uma das minhas maiores referências na cozinha. Seu conhecimento acerca de cozinha baiana, principalmente a de terreiro, é infinito. E eu zanzava quase que diariamente na cozinha dela,  curioso que sempre fui,  observando o seu jeito mau humorado de cozinhar, de preparer os seus temperos secretos  e, principalmente, roubar as raspas dos potes e panelas.

Tem até uma história de que uma vez me escondi dentro do forno da casa de uma tia e ninguém me achou por horas. Era um prenúncio de uma relaçao profunda com a cozinha.
Eu já era um chef em construção e não sabia.